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Cabe o mundo no Cerrado?

Grupo Arte & Fatos encara os desafios do teatro didático

Mundo Cerrado - 10/09/2022


Mundo Cerrado teve apresentação com casa cheia no Teatro Sesc Centro, no último sábado, dia 10 de setembro. O espetáculo compõe a programação de aniversário de 76 anos do Sesc, à qual vale se atentar. Tem muita coisa boa até o fim do mês. Confira aqui a programação! Destacamos a peça A Descoberta das Américas, com Julio Adrião, cuja crítica você pode ler aqui no GO Teatro, e ainda a companhia chilena Tryo Teatro Banda, com FICO, monólogo com Francisco Sánchez, nos dias 23 e 24 de setembro, respectivamente.


Mundo Cerrado é um espetáculo para o público infantil de 2015, produção do Grupo Arte & Fatos, da época em que este era ligado à Coordenação de Arte e Cultura da PUC-GO. Hoje, sem vínculo com a universidade, o grupo segue sob a direção do dramaturgo e diretor Danilo Alencar, vinculado à Associação Cultural Casa de Nazaré, que o próprio Danilo fundou em 2017.


O Grupo Arte & Fatos, no entanto, tem história muito mais longa, que se inicia em 1988. São mais de 30 anos de um trabalho de formação desenvolvido junto à PUC-GO, e agora independente, que revelou inúmeros nomes da interpretação e do Teatro em Goiás, muitos com atuação fora do estado. Nas mais de três décadas de existência, o grupo realizou inúmeros trabalhos marcantes do nosso teatro, como o espetáculo Baladas de um Palhaço (2006), premiado nacionalmente, e Lágrimas de Guarda-Chuva (2015).


O Arte & Fatos tem assinatura; e a marca de Danilo Alencar, que além de dirigir a maioria dos trabalhos, exerce um ofício a que poucos se atrevem por aqui: o de dramaturgo. O percurso do grupo revela as fases dessa jornada de autor. Do fim dos anos 80 até começo dos anos 2000, as peças políticas, de cunho histórico, abordam temas como Canudos, Palmares e a Ditadura, e até trabalhos inspirados em Brecht.


Em sua produção mais recente, a denúncia e o posicionamento político deixam o primeiro plano para cimentar a representação de dramas mais pessoais, que buscam no universo sertanejo ou na marginalidade do artista, as origens e os efeitos humanos daquilo que se acusava em trabalhos anteriores. Para falar finalmente de Mundo Cerrado, essa é uma rara incursão do autor no universo infantil.


Aqui, os bichos do nosso bioma se reúnem em assembleia para tomar alguma atitude ante tanta destruição e tragédia que vem assolando seu habitat. O tatu não pôde comparecer por estar vivendo uma desgraça familiar. A anta, coitada, está com a saúde mental em frangalhos, seu jeito é rir pra não chorar. A onça é, quem diria, apaziguadora e mãezona, põe tudo em ordem e organiza a algazarra. O lobo-guará, fiel à sua original elegância, é solene e sensato. Ainda temos a arara, num casamento de timbre e personagem muito bom, e um bicho-preguiça camarada, mas preguiçoso. Em outras apresentações, pode haver um tamanduá, bicho raro de se ver. A ausência, supomos ser uma adaptação do texto ou corte de elenco, que não é o original.


Mas o que ameaça os bichos e lhes causa sofrimento é o desmatamento, são as queimadas, a caça, a poluição do ar, a contaminação das águas, a destruição do meio ambiente, enfim, a ação humana. Os animais até têm suas rusgas, mas o conflito é, ou seria, com o ser humano, que tarda a dar as caras.


A assembleia começa um tanto refém das intenções didáticas, e é preciso nomear os crimes e abusos contra a natureza, às vezes com certa complexidade e, noutras, com pressa. Valem os momentos de poesia, ouvir os nomes de peixes e pássaros, alguns soam familiares, mas saudosos, outros são desconhecidos, dando conta de um universo que míngua na memória coletiva. Pontos fortes do texto que merecem ser valorizados pela encenação.


Depois de invocar o Curupira, que aparece se fazendo de difícil, arredio como provavelmente ele é, os animais decidem ir à cidade e ter uma conversa com o ser humano, apelar à razão e ao bom senso. Chega a parecer simples. Mas o homem com quem cruzam pelo caminho em nada representa esse ser da cidade. Na verdade, cruzam com Detona e Desatento, num bom trabalho vocal de Francis Silva no fantoche. Dois amigos simplórios, eles mesmos selvagens em sua sede de sangue animal. Serão esses os vilões da natureza?


Mas se há algo emperrado na dramaturgia, algo mais prejudica a fluidez. Os atores improvisam ao preencher cenas de marcação mais flexível, e os atropelos e as incertezas do elenco por vezes geram ruído. O trabalho é de 2015, o elenco não é original e conta com substituições: é compreensível que esteja buscando a harmonia. O espetáculo ganha quando finalmente assume esse caráter aberto e convida o público para o jogo. Quase sempre dá para contar com o encantamento das crianças. Os adultos talvez sejam mais chatos, exigentes.

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