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Festival de Cenas Curtas FETEG – Parte III

Atualizado: 29 de nov. de 2022

Última parte dos comentários sobre as cenas curtas do Festival da Feteg


Essa é a terceira e última parte dos comentários sobre as cenas curtas apresentadas no 9º Festival de Cenas Curtas da Feteg, no dia 11 de novembro de 2022. Você pode ler os comentários sobre outras cenas nas postagens anteriores. O GO Teatro assistiu a algumas das cenas, a partir do segundo bloco e, salvo algum engano, os textos seguem a ordem de apresentação. Devido ao formato do evento e à quantidade de cenas, na divulgação constam informações reduzidas. Assim, não conseguimos os nomes de todos os atores em cena, citando apenas os grupos ou artista proponente.


Defloorisvalda


O número circense inscrito por Everaldo Mariano nos apresenta a dois palhaços com chapéu de proteção, esses dos trabalhadores da construção civil. Eles entram em cena com uma escada articulada com a qual, sobre e sob a qual se movem pra lá e pra cá e fazem números de equilíbrio, sustentação e palhaçadas. Não há cenário, a luz é colorida alternante e uma musiquinha animada para número de palhaços dita o ritmo da apresentação. Os palhaços, porém, não conseguem executar tudo que têm de executar no ritmo proposto. O chapéu que está descolando, a escada que emperra, o ajuste necessário, tudo vai poluindo o que, ao parecer, deveria fluir de forma engraçada. Não que a graça se perca, mas ela ocorre fora do que se propunha. O grande efeito da cena não é o riso, nem a surpresa com os números físicos ou as reviravoltas com a escada, mas sim a aflição nervosa. Os artistas têm domínio do objeto, afinal não houve acidente, e a escada parece bem confiável, mas é difícil conter a exclamação e não tapar a boca de susto a cada queda brusca, cada mudança de eixo, cada destrave das articulações da escada que parecem potencialmente perigosos. Com os estrondos que faziam no tablado da Feteg, a cena circense parecia à vezes parecia cena de terror.


Acabaram os Sacos de Óbitos

A cena inscrita por Larissa Ferreira resgata áudios dos tempos críticos da pandemia quando o país e o mundo lidavam com a falta de insumos, hospitais sobrecarregados e um altíssimo número de mortos para situar uma performance, cujo teor também se evidencia na proposta visual. Dois atores vestidos com roupa de proteção que lhes tapam todo o corpo, aquela de astronauta, entram empurrando uma maca, uma maca de verdade, sobre a qual está um corpo envolto em plástico. Ao deixar a maca no centro do palco, os dois se retiram, o som de fundo cessa e discretamente o corpo embrulhado começa a se mexer e tenta liberar-se da clausura plástica, o que acontece ao longo de alguns minutos, mais lentamente do que seria bom para o público e do que parecia planejado pelos artistas. A dificuldade do performer nos põe a questionar se não havia mais plástico do que o necessário. O grande problema, no entanto, é que essa é toda a proposta: o corpo se soltando do plástico, o que nem chega a acontecer totalmente. Dado que o corpo chega à cena já embrulhado, o que vemos se parece ao desmontar da cena, o performer voltando ao normal, pois não há mudança de estado, nenhum outro elemento dramatúrgico ou algo que nos faça ver mais do que uma ação executada de forma quase cotidiana, sem o peso do tema a que alude.


O Batizado do Gato


A Trupe dos Cirandeiros levou ao festival uma encenação do conto de Arievaldo Viana, O Batizado do Gato. Além do humor, a cena cumpre função educativa explicitando suas inspirações e falando um pouco do autor e da literatura de Cordel. A cena é parte do espetáculo Corderama, inspirado nesse estilo literário. A história do conto é conhecida por muitos, ainda que não a tenhamos lido na versão original de Arievaldo. Quem já assistiu a O Auto da Compadecida, no cinema ou no Teatro, se lembrará do interesseiro bispo e do padre que aceitam batizar um gato, apesar do absurdo que a ideia lhes causa, quando o dinheiro entra na jogada. A cena da Trupe dos Cirandeiros é de uma agilidade impressionante, com energia pulsante e carisma de sobra no elenco. O pessoal canta, vai pra lá vai pra cá, sobre e desce, muda de personagem, faz gente e faz bicho, arrancando boas risadas do público. É como entrar num carro alucinado e a gente só volta a si quando acaba. Vontade de assistir Corderama.


Namorados

A Cia de Teatro Nu Escuro marcou presença no Festival de Cenas Curtas levando um trabalho bem particular em relação aos demais. Com investigações recentes no universo dos bonecos, encabeçadas por Isabela Nascente, a aposta para a cena curta foi através da máscara expressiva. Já comentamos um trabalho de boneco da Isabela na crítica das ações do projeto Pimenta Desfaz as Malas, que você pode ler aqui. Para o festival, na cena Namorados, ela repete a boa confecção, e embora apresente um produto mais simples, com acabamento em Kraft, as máscaras tem o mesmo poder de cativar nossa atenção, são expressivas e com feições muito bem compostas. Ao aderirem ao corpo dos atores, em trabalho corporal singelo e eficiente, os namorados idosos conquistam a simpatia do público. Eles namoram timidamente ao som de uma música romântica. Ela trabalha com agulha e linha enquanto ele lê um jornal até que cedem aos impulsos da dança, do toque e do beijo. Não há texto, as máscaras são silenciosas. A cena é bonita e cativa. Faltou que se desenvolvesse mais a situação, numa dramaturgia mais elaborada.


Um Meio Bem Nosso

A Cia de Arte Poesia que Gira se apresentou com um texto do poeta Alexandre Pilati, num monólogo de interpretação enérgica de Thaise Monteiro. Em cena, vemos a atriz que é trazida ao palco algemada por um guarda que permanece todo o tempo em vigilância, a postos para conter os sobressaltos de revolta que por ora rompem da fala calibrada e irônica da figura em juízo. Ela se dirige aos seus julgadores, assumindo fragilidades, incoerências e seus ‘pecados’; confessa suas ingenuidades e idealismos de um modo que vai evidenciando a corrupção, a imoralidade e a hipocrisia de tudo e todos que estão ao seu redor. O mundo é hostil, e o texto é ácido, potente.


A iluminação, a escolha das cores no figurino, no cenário, e a corrente de contenção criam um ambiente policialesco, mas underground, uma atmosfera noir com a qual a atriz está em sintonia. A cena não tem muito para onde ir, ela precisa dizer, e Thaise o faz com força, segura do texto e recobrando nossa atenção a todo instante. A verborragia rebuscada consegue filtrar-se pela interpretação da atriz e chega ao espectador com clareza de intenção, com a dose certa de ironia e deixando um gosto de pessimismo no ar.

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