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Armadilhas do tempo

Peça Quando se Abrem os Guarda-Chuvas faz um belo mas hesitante retrato da velhice.

Com cenário simples, o espetáculo é centrado na construção da atriz Fernanda Pimenta. Foto: divulgação.

O espetáculo dirigido por Elena Diego começa com a atriz Fernanda Pimenta em estado neutro, com um macacão de malha que lhe cobre o corpo, instigando ao espectador com nada mais que sua presença e a força de um olhar cúmplice e vibrante. Aí o teatro se confessa e a atriz vive diante de nós seu ritual de transformação. As meias, a anágua, a blusa, cada elemento é tomado e vestido com detenção. A maquiagem é feita ali, sem espelho, fazendo ainda mais forte o sentimento de confissão da farsa por vir. E quando se abre um guarda-chuva, já não vemos mais a Fernanda.


Estamos diante de Conceição, testemunhando um incrível trabalho de ator. A composição da personagem, uma senhora idosa, proporciona um desses momentos raros de deleite e surpresa com um trabalho tão bem feito. A peça é apresentada num formato intimista, e é de causar arrepio escutar, sem ver, quando ela passa por você, aquele tremor e aquele ar na voz que só poderiam sair de uma velhinha lá em seus 70 anos. Fernanda Pimenta apresenta uma caracterização vocal e corporal de grande delicadeza e com riqueza de detalhes.


O começo do espetáculo, tão vibrante e lúdico, nos enche de expectativa. Em seus primeiros momentos, o monólogo de Conceição, viúva, alimenta esse sentimento. A descrição do seu dia a dia, o relato da vida a dois, as manias, as repetições, a nomeação constante de todos que lhe são caros, mas que não estão ali: os filhos, a neta, a vizinha. Tudo cria um quadro de profunda nostalgia, que desperta a lembranças dos “nossos” idosos e incita a reflexões sobre a velhice, oferecendo sensações de afeição, mas também de solidão e vazio.


Mas a peça é otimista e opta por manter o alto astral, elaborando-se como um relato cômico. Não há nisso um problema. Porém, ao romper com as nuances mais sérias e profundas suscitadas desde o prólogo distanciado, e que estão mesmo na interpretação de Fernanda, perdura-se uma frustração que o humor leve, muito pontual e ingênuo não consegue sobrepassar. Para aqueles que empatizam com a personagem, a virada que vai da insólita nostalgia à esperança ingênua carece de sustentação. As piadas com o telefone celular e o Facebook (facibóc), de muito óbvias, não colam. Mesmo a cena de maior tensão é como um corpo estranho que não se integra bem à dinâmica estabelecida.


Talvez a peça ganhasse em manter-se como um “drama de situação”, aprofundando a questão existencial da personagem ou penetrando mais em sua consciência e intimidade. Mas por força de uma almejada humanização da velhice, a dramaturgia de João Pedro Fagerlande necessita vê-la em ação. No entanto, o conflito que surge com um telefonema carece de dramaticidade, pois não avança o presente da personagem. Ao invés disso, faz-se o resgate de um fato passado cuja possibilidade de revisão repõe em Conceição as expectativas e inseguranças de uma juventude longínqua.


No fim das contas, nada vai mudar. A peça reafirma a condição estática e a ingenuidade da personagem, mas já havendo perdido a chance de dar a isso o peso e o valor dramático que lhe cabia. Quando se Abrem os Gaurda-chuvas tem cenas inspiradas e tocantes, além de construir um retrato singelo e convincente da velhice, digno como queriam seus artífices. Mas ao colocá-lo em marcha, ele tende ao desmanche.


Rafael Freitas


 

O espetáculo segue em temporada dentro do projeto Quartas de Guarda-Chuvas, segundo calendário abaixo:


27/06 – Lacena - UFG (horário a confirmar).

04/07 – 20h - Espaço Vera Cult.

25/07 - 20h - Espaço Sonhus.

01/08 - 20h - Plano V Eventos e Cultura.

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